A Rapariga Que Fala Sozinha

Sou um pato que sonha em voar,  Uma uva que sonha em flutuar: Quanto mais me aproximo do meu sonho, Mais me apercebo de que não o consigo alcançar.  Porquê dar asas a quem não pode voar?  Porquê fazer-me acreditar que é possível?  A minha esperança é tão absurda que chega a ser risível.  Porquê dar sonhos a quem não os pode realizar?  Porquê continuar a tentar, quando no final… Bem sei que continuará tudo exatamente igual.  Então força, patinho, bate as asas! Não desistas, continua a tentar! Um dia, voarás sobre os telhados das casas. Ou talvez, finalmente, te contentes com o teu esvoaçar…   

Queres alguém que te massaje os pés cansados, Que te penteie o cabelo e te faça uma trança. Queres sentir-te como se fosses de novo uma criança.  A acordar de manhã, sonolenta e de cabelos emaranhados.  Mas só tens alguém para te criticar  Que é tão mais feliz quanto mais vezes te fizer chorar  O seu nome tem duas letras, duas vogais.  Por ela, passavas o dia inteiro aos ais.  “Não te preocupes, vai ficar tudo bem!” Era o que querias ouvir (e acreditar, também) Mas essa ilusão há muito que desapareceu Quando aquilo que te fazia tu quase pereceu.  Mas voltaste a florescer no início da primavera, Tal como uma tulipa ou até um narciso.  Muito nunca voltou a ser como era, Mas voltou tudo o que foi preciso.

Mesmo que tente, não te consigo perceber.  A verdade é que também não queria. Mas, perto de pessoas com a tua maneira de ser É impossível manter a cabeça fria. Podes pensar o que quiseres sobre mim. Podes dizer o que quiseres às tuas marionetas. Podes pensar que controlas a narrativa, mas no fim Todos ficarão com as suas versões prediletas. Porque as histórias funcionam assim: O que se ouve não é igual ao que se diz Se, de quem as conta, saem “bicicletas” Ao outro lado, chegam “trotinetas” ou “atletas”. Então continua a tentar, se te entretém Ninguém quer saber do que sai da tua boca Têm preocupações maiores, desde o cão até à tua mãe Devias preocupar-te era contigo, sua cabeça oca!

 Por mais que tentes, eu não me deixo levar. Se há algo que não podes fazer, é forçar-me a acreditar Que tens razão, e eu não valho a pena salvar. Achas que és tu quem tem propriedade para falar? Sou boa pessoa, ou, pelo menos, tento ser. Digo bom dia a quem passa por mim na rua (20% das vezes em que o tento fazer). Criticas-me, mas és tal e qual uma batata crua. És uma batata crua, na medida em que tens potencial.  Se quisesses, até poderias ser uma pessoa de jeito Mas escolhes agir como uma personificação do mal.  Dizes que é esse o teu único defeito.  Batata crua não é iguaria, nem sequer tu a aprecias.  Depois de cozinhada é melhor, utilizada até em pastelaria.  Mas eu não cozinho batatas para ninguém.  Que o gás está caro, e a eletricidade, também.  Então ganha juízo, que já vais tarde para aprender:  Nem todas as batatas ficam boas cozidas em água a ferver. Podes fazê-las fritas, salteadas ou até cozinhadas a vapor. Só não atires os teu...